"Quando não houver mais espaço no inferno, os mortos caminharão sobre a Terra"
Esta é uma das mais sonoras e inesquecíveis taglines da história do cinema de horror, utilizada para promover o filme "Despertar dos Mortos" (Dawn of the Dead, 1978), segundo episódio da famosa quadrilogia de zumbis do mestre George Romero, precedido pelo clássico "A Noite dos Mortos Vivos" (The Night of the Living Dead, 68) e sucedido por "O Dia dos Mortos" (Day of the Dead, 85) e Terra dos Mortos (Land of the Dead, 2005), além de ter recebido uma refilmagem homônima em 2004, chamada por aqui de "Madrugada dos Mortos", dirigida por Zack Snyder, e uma "continuação indireta" com o nome Diary of the Dead (2007). Finalmente o selo "Dark Side" lançou em DVD o tão aguardado filme de zumbis, um dos melhores já produzidos nesse fascinante subgênero do horror em todos os tempos, com distribuição nas bancas de jornais no final de Fevereiro de 2005, encartado na extinta revista "Cine Monstro" número 1 (na verdade, um relançamento, já que a publicação havia sido lançada originalmente em Setembro de 2003). Com um preço mais acessível (R$ 19,90) e aproveitando para diminuir o estoque parado da revista, o selo "Dark Side" finalmente sacia a vontade dos fãs que aguardavam por essa preciosidade do cinema fantástico.
Na história de "Despertar dos Mortos", o mundo já está tomado pelos mortos vivos e existem apenas sobreviventes isolados em grupos tentando lutar por suas vidas. Um desses grupos é formado pelo casal Francine (uma repórter de TV interpretada por Gaylen Ross) e Steven (um piloto de helicóptero feito por David Emge), e por mais dois policiais de elite que tentavam combater uma legião de zumbis que invadiram um condomínio residencial, Roger (Scott H. Reiniger) e Peter (Ken Foree). Eles fogem juntos num helicóptero roubado procurando um local seguro para ficarem, e decidem aterrissar no alto de um shopping center abandonado onde se instalam permanecendo isolados dos zumbis, e desfrutando dos confortos disponibilizados pelas belas lojas. Porém, eles despertam inevitavelmente a atenção de um enorme exército de mortos-vivos, cujas lembranças em vida dos constantes passeios de compras ao shopping os levaram instintivamente a tentarem invadir o enorme centro comercial, vagando desorientados por seus corredores à procura de carne humana fresca (numa crítica social pertinente do cineasta George Romero). E os problemas do grupo de sobreviventes complicam-se mais ainda quando entram em confronto com uma gangue de motoqueiros arruaceiros, liderados por Blades (o técnico em efeitos de maquiagem Tom Savini), que decide também invadir o shopping para saquear suas mercadorias.
Assim como em "A Noite dos Mortos-Vivos", filmado em preto e branco, "Despertar dos Mortos" apresenta novamente um enorme desfile de atrocidades, dessa vez realçadas pela fotografia colorida, com uma imensidão de zumbis caminhando lentamente para todos os lados à procura de sangue e carne humana. Eles são apenas abatidos através de golpes e ferimentos nas cabeças e por isso não faltam disparos de balas, marretadas, e todo tipo de violência contra os frágeis crânios dos mortos que estão vagando sobre a Terra depois de ocuparem todos os espaços no inferno. São duas horas e vinte minutos de filme, que apesar da longa duração, não é cansativo em nenhum momento. Pelo contrário, durante toda a projeção, existe um grande interesse em acompanhar a perigosa e mortal aventura dos sobreviventes lutando num mundo dominado por mortos que caminham, e onde a esperança de vida progressivamente vai deixando de existir na medida em que o caos desesperador se propaga para todos os lados, diminuindo as rotas de fuga e os locais seguros. Isso tudo graças ao talento do mestre George Romero, que contou com a ajuda e consultoria do diretor italiano Dario Argento. É interessante salientar, como diz um dos personagens numa entrevista conturbada numa estação de TV funcionando precariamente em meio à desordem geral, que os zumbis não são mais seres humanos, passando agora para criaturas que não possuem inteligência e agem unicamente por instinto. E que também não são canibais, pois não se alimentam deles próprios, e sim apenas de carne humana fresca dos que ainda estão vivos.
Existe uma grande quantidade de cenas memoráveis e dignas de registro. Quando o grupo de sobreviventes interrompe o vôo do helicóptero parando num posto de combustível para abastecer, eles são atacados por vários mortos que vagavam na região. Nesse momento, duas seqüências se destacaram. A cena onde o policial Peter é obrigado a alvejar violentamente com uma rajada de balas duas crianças zumbis (na verdade, Mike e Donna Savini, sobrinhos de Tom Savini, e que não foram creditados). Elas haviam avançado sobre o policial para experimentar o gosto de sua carne (mostrar violência contra crianças, mesmo que já estejam mortas, é sempre um ato de coragem do cineasta). A outra cena é quando um desafortunado zumbi tem o topo da cabeça decepado cirurgicamente pela ação de uma hélice em movimento do helicóptero pousado no chão e sendo reabastecido. Mais um momento que merece lembrança, principalmente por sua extrema violência gráfica, é quando um daqueles saqueadores motoqueiros que invadiram o shopping é cercado por um grupo de zumbis que se banqueteiam com sua carne, rasgando detalhadamente suas vísceras e músculos em meio ao sangue abundante e pedaços de ossos despedaçados. Outras sequências que não poderiam deixar de serem comentadas, não pelo teor de violência, mas sim pelo conteúdo hilariante, é quando o grupo de sobreviventes entra no shopping center vazio e se diverte como se fossem crianças fazendo as "compras" nas grandes e belas lojas, ou quando retiram emprestado uma grande quantidade de dinheiro do banco local, debochando da câmera de segurança que está gravando suas ações, ou ainda quando eles se vestem com roupas luxuosas, brincam em fliperamas e videogames, ou se saciam com comidas diversas, realizando seus maiores sonhos de consumo. E quando o grupo de motoqueiros saqueadores travam uma batalha hilária contra os lentos zumbis arremessando tortas em suas caras.
Entre as curiosidades, o próprio cineasta George Romero faz uma pequena ponta não creditada como um diretor de TV, assim como o mesmo aconteceu com sua esposa Christine Forrest, no papel de uma assistente dele. O ator Joseph Pilato, que interpretou o Capitão Rhodes na sequência "O Dia dos Mortos", fez o papel de um policial nesse segundo filme da série. Os atores Ken Foree, Scott H. Reiniger e Tom Savini foram homenageados participando como convidados em rápidas pontas na refilmagem "Madrugada dos Mortos", através de breves depoimentos na TV sobre o caos da invasão dos zumbis (Foree é um padre evangélico, Reiniger é um militar e Savini é um xerife). O diretor Dario Argento lançou o filme na Itália como "Zombi", que por sua vez inspirou o falecido Lucio Fulci a fazer uma espécie de continuação em 1979 que levou o nome de "Zombi 2" (ou "Zombie Flesh Eaters", um dos vários outros nomes alternativos). Dessa forma, podemos dizer que "Despertar dos Mortos" teve então duas sequências, uma italiana (o filme de Fulci) e uma americana ("O Dia dos Mortos"), do próprio Romero. O filme já havia sido lançado no Brasil anteriormente em vídeo VHS como "Zombie, o Despertar dos Mortos", estando fora de catálogo há muitos anos, e entre os títulos originais alternativos estão ainda "Zombie, Dawn of the Dead" e "Dawn of the Living Dead". O DVD da "Dark Side" traz como material extra apenas uma pequena biografia do diretor George Romero e uma sinopse superficial, porém tem o mérito de apresentar o filme na versão estendida de 140 minutos.
- DESPERTAR DOS MORTOS (Dawn of the Dead, Estados Unidos / Itália, 1978). 140 minutos Direção: George A. RomeroRoteiro: George A. RomeroProdução: Richard P. Rubinstein e Dario ArgentoFotografia: Michael Gornick Música: "The Goblins"Edição: George A. Romero Maquiagem: Tom SaviniElenco: Ken Foree (Peter), David Emge (Stephen), Scott H. Reiniger (Roger), Gaylen Ross (Francine), David Crawford (Dr. Foster), David Early (Sr. Berman), Tom Savini (Blades).
- NOTA:10,0
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