"Um pesadelo granulado em preto e branco que mudaria o curso dos filmes de terror para sempre..." - (Stephen King).
Milhares de filmes são feitos todos os anos, mas apenas algumas centenas recebem um certo destaque. Destes, poucas dezenas são sucessos de bilheteria e crítica, contudo são raras as produções que passam a servir de referência e influenciam toda uma geração. Cada um com a sua proporção e épocas distintas, podemos citar MATRIX, O SENHOR DOS ANÉIS, CASABLANCA, O PODEROSO CHEFÃO, CIDADÃO KANE e por aí vai. No gênero do terror, no entanto, estes filmes são ainda menos freqüentes: TUBARÃO, HALLOWEEN, PSICOSE, O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA... Só que desses, nenhum teve tanta importância histórica, cultural e estética e ao mesmo tempo foi tão problemático para seus realizadores quanto A NOITE DOS MORTOS VIVOS, do então estreante em longas George A. Romero. Se você não conhece a obra-prima desse mestre, está na hora de conhecer e se deleitar com este maxi-artigo sobre o clássico; se já assistiu e quer saber quase tudo sobre ela, veio ao lugar certo. Relaxe na poltrona e boa leitura, pois os mortos se levantaram de forma definitiva nesta surpreendente produção de 1968, que há quase 40 anos aterroriza fãs do verdadeiro cinema de terror no mundo inteiro.
Capítulo 0 - The Latent Image - Tudo Começa Aqui:
Para começar a falar sobre A NOITE DOS MORTOS VIVOS de maneira mais completa, primeiramente vamos olhar um pouco para o passado e falar sobre a The Latent Image, produtora que foi a pedra fundamental e o marco zero de toda a mitologia que envolve o filme. Tudo começa com George Romero, que sempre teve o "bichinho" do cinema e, após sair do Instituto de Tecnologia de Carnegie-Pittsburg antes da graduação, recrutou seus colegas de colégio Richard Ricci e Russ Streiner para ajudar a criar uma produtora. Seu amigo de longa data John Russo também queria entrar no negócio, mas ele havia se alistado nas forças armadas por dois anos: "George e Russ me disseram que estavam começando uma companhia de filmes comerciais e quando eu saísse e estivesse com mais tempo poderia me juntar a eles", disse Russo em entrevista.
Então foi com uma câmera de 16mm, algum equipamento barato de iluminação e cinco mil dólares emprestados pelo tio de Romero, que estes três jovens ambiciosos começaram a procurar trabalho em pequenos filmes para TV e comerciais. Ricci encontrou um pequeno lugar que seria seu "escritório", todavia pouco depois saiu da empresa. Como forma de agradecimento ajudou os membros remanescentes - Romero e Streiner – deixando pago seis meses de aluguel adiantado. "Vocês tem este lugar por seis meses", disse Ricci, "vejam se conseguem transformar isso em alguma coisa". E assim os dois se mudaram. O escritório original da Latent Image era um cubículo localizado ao sul de Pittsburg. Russo se recorda do difícil início da caminhada: "Não havia equipamento de aquecimento ou, se havia, não funcionava... Em algumas manhãs de inverno George e Russ tinham que cortar gelo da privada antes que pudessem dar descarga".
Alguns trabalhos apareceram - a grande maioria se tratava de casamentos e chás de bebê – contudo isso não rendia muito dinheiro. Às vezes Romero vendia uma pintura a óleo por 50 dólares para faturar algum, entretanto eles não desistiram, mesmo que isso significasse trabalhar sem almoço por vários dias consecutivos. As vacas continuaram magras até que, em 1963, uma oportunidade de investimento bate a porta: depois que eles colocaram um anúncio procurando investidores para um possível projeto de cinema, Vince Survinski chega a Latent Image com 10 mil dólares. A produção seria uma história escrita por Rudy Ricci (prima de Richard Ricci) sobre um homem da Alemanha Ocidental que fugiu da prisão. Problemas ocorreram no decorrer e o projeto naufragou durante o desenvolvimento com todo o dinheiro sendo gasto.
Mesmo com o dinheiro desperdiçado, Survinski demonstrou ser um homem de visão ao oferecer mais 10 mil para a empresa, desde que eles concordassem em torná-lo um parceiro na companhia. Eles aceitaram e a parceria Romero-Survinski rendeu muito de seus futuros projetos de cinema. Em seguida acontece o primeiro sucesso da Latent Image: um comercial rápido e eficiente para o "Buhl Planetary Sky Show". Larry Anderson - o cliente em questão - queria que neste comercial aparecesse um foguete pousando na Lua, se fossem bem sucedidos levariam 1600 dólares, mais do que qualquer trabalho já feito antes. Obcecados pelo trabalho, Romero pintou os planos de fundo, Steiner ajudou com moldes de barro para simular a superfície lunar e outro primo de Ricci cedeu o foguete. Triunfaram, o comercial apareceu na TV e nos drive-ins da área com enorme sucesso e encontraram mais clientes. Em 1965 conseguem mudar de escritório no centro da cidade, com a chegada de John Russo, retornando do serviço militar. Os clientes entravam gradualmente. Em 1967 tiveram progresso o suficiente para se tornar uma produtora totalmente equipada, com o trio trabalhando incessantemente: Romero, Steiner e Russo passavam muitas noites sem dormir viajando, editando e/ou filmando: "Criamos uma reputação em alguns círculos de sermos um núcleo de maníacos criativos que podiam fazem bons filmes com pouco dinheiro. No entanto passávamos quase a maior parte do tempo quebrados, frustrados e exaustos", desabafou Russo. Eles estavam entediados de fazerem apenas comerciais e queriam um filme de horror...mal sabiam o passo gigante que estariam dando...
Capítulo I - Da Idéia ao Roteiro - Do Cemitério Nasce o Mito
Na época, capitalizar sobre os filmes de terror era lucro certo, pois a indústria de filmes "tinha sede pelo bizarro", disse Romero, mas só as intenções não bastavam. A Latent Image não possuía capital suficiente para começar um projeto desta magnitude e precisariam captar investimentos externos. Desta forma, Romero e Streiner contataram Karl Hardman e Marilyn Eastman, presidente e vice-presidente respectivamente de uma firma de filmes industriais de Pittsburg chamada Hardman Associates Inc. e lançaram a idéia da película de horror ainda sem título ou história definidas. Então desta parceria uma nova empresa foi fundada, a Imagen Ten - composta por Romero, Russo, Streiner, Hardman e Eastman - e levantaram aproximadamente 114 mil dólares para orçamento do filme. A partir daí, nasceu e se desenvolveu sobre o que seria a película propriamente dita. De acordo com o livro de John Russo - intitulado "The Complete Night of the Living Dead Filmbook" - assim que a Image Ten se solidificou eles queriam iniciar logo para que a chama que fez com que a empresa se iniciasse não apagasse. Era difícil, pois os envolvidos continuavam trabalhando nos filmes industriais e comerciais, havendo pouco tempo para se escrever um roteiro.
Para que o filme não morresse de inércia, Romero e Russo passavam algumas horas livres durante a noite debatendo e eventualmente escrevendo idéias para o que seria uma bagaceira sobre monstros (ou um "monster flick", título provisório nas palavras de Russo). Destas sessões noturnas dois conceitos descartados continham elementos que, subconscientemente ou de propósito, levariam as formas do que chegaria em A NOITE DOS MORTOS VIVOS. O primeiro - e o principal candidato a ser filmada - seria um terror com tons de comédia sobre monstros do espaço: alguns adolescentes alienígenas se envolveriam com adolescentes da Terra, tornando-se amigos, enquanto figuras de autoridade bem caricatas tentariam, em vão, captar evidências de tudo o que está acontecendo. Os alienígenas teriam um animalzinho comilão chamado "The Mess", que parece um monte de spaghetti; e haveria um xerife devidamente chamado de "Xerife Suck", que é totalmente inábil, servindo de alvo de brincadeiras dos adolescentes. O segundo era um mero filme de zumbis... Hehehe, brincadeira... De fato o tratamento original para A NOITE..., escrito por George Romero, não era nem um pouco inspirador: duas figuras sinistras caminham a noite em um cemitério carregando um caixão. Sob a luz da lua, vemos que uma das figuras é um monstro com dentes longos e afiados e veias saltantes na testa e pescoço. Um misterioso meteoro cai na distância. Ambos são monstros, mas usam máscaras de borracha para se disfarçar de humanos normais. Eles reclamam do cansaço de carregar aquela caixa pesada, a caixa é aberta e dentro 24 garrafas de cerveja (!). A cerveja foi roubada do Xerife Suck e os jovens monstros acreditam que até amanhã estará gelada para ser apreciada no cemitério.
A partir daí apareceria um OVNI (o tal meteoro), onde sairiam os adolescentes alienígenas com o bichinho "The Mess".A razão pela qual o projeto foi abandonado é que o orçamento não permitiria realizar aquele tipo de efeitos especiais, então foram forçados a pensar um pouco menos em termos de logística. O próximo tratamento, escrito por Russo, sugeria o seguinte (resumidamente): "Uma criança corre após uma briga com seu irmão mais novo. Ele corre para a floresta e logo se encontra só em meio a uma neblina espessa. O garoto ouve estranhos sons e percebe que está sendo perseguido, ele volta a correr e pisa numa grande chapa de vidro. Ele corta o tornozelo e vê horrorizado que um corpo em decomposição está na terra debaixo da chapa de vidro. Ele perde a consciência e cai". A idéia é que estes corpos estariam sendo cultivados para alimentar os alienígenas ou algum outro tipo de monstro. No primeiro mês da Image Ten nada de consistente e definitivo havia sido escrito, até que após um fim de semana Romero, inspirado no livro I Am Legend, de Richard Matheson, surpreende Russo com 14 páginas de uma história excelente, que se tornaria praticamente a primeira metade de A NOITE DOS MORTOS VIVOS. Finalmente tinham algo para trabalhar em cima.
Ao contrário dos tratamentos escritos anteriormente, este era um filme para assustar as pessoas. Ao invés de pessoas vivas comendo os mortos, eram os cadáveres reanimados que canibalizavam os vivos, tinha tensão, horror e podia ser feito com orçamento modesto sem soar ridículo. Segundo o próprio Romero, este tratamento se dividia em três histórias curtas, a primeira sendo utilizada em A NOITE... e as outras duas nas seqüências DESPERTAR DOS MORTOS e DIA DOS MORTOS. Com a primeira metade pronta, o restante da Image Ten reunia-se freqüentemente para discutir a segunda metade e John Russo fez toda a roteirização, pois o tratamento de Romero estava em forma de conto. No rascunho, o personagem Ben era um chucro e mal-educado motorista de caminhão - isso foi mudado durante as audições quando Duane Jones entrou no elenco e se recusou a interpretar um personagem assim.
Outras modificações foram que Tom seria um homem de meia idade, coveiro do cemitério e não tinha uma namorada. Todas as cenas com os generais e repórteres também não eram previstas inicialmente e foram enxertadas com o tempo, dando proporções drasticamente maiores ao que deveria ser uma crise local. Entre os produtores muito se discutiu se aquele fenômeno precisava de uma explicação. Russo queria que durante o filme, os cientistas e militares apenas ficassem especulando sobre os motivos que levavam os mortos a se levantar, mas por pressão do restante do grupo, ficou a idéia de que teria sido uma sonda de Vênus foi aprovada (apenas a hipótese, nunca a confirmação), isso aconteceu porque até o momento a grande maioria dos filmes de ficção científica careciam de uma explicação. Outra mudança importante aconteceu - e esta foi a de maior impacto que fez toda a diferença - porém como se trata de um gigantesco Spoiler, ele será tratado mais a frente. John Russo fechou o script ainda sem nome, (só que mesmo assim alguns diálogos foram improvisados como disse a atriz Judith O'Dea em entrevista) e os envolvidos estavam empolgados, porque era um roteiro "acreditável", em que as pessoas poderiam seenvolver com ele e era distante de tudo que havia sido feito antes - estavam absolutamente certos.
Primeiro de Outubro de 1968 - uma data histórica para o gênero - a premiere de A NOITE DOS MORTOS VIVOS ocorre em Pittsburg no Fulton Theate e, no restante dos Estados Unidos, a película era exibida na forma de matine aos sábados a tarde - como era típico nas décadas de 50 e 60 - atraindo uma audiência constituída basicamente de pré-adolescentes e jovens adultos. Curioso é que não havia classificação indicativa - o sistema em vigor atualmente nos Estados Unidos seria aplicado apenas no mês seguinte - assim os donos dos cinemas e os pais em geral não poderiam proibir que crianças entrassem para assistir ao filme: "As crianças na audiência estavam atordoadas. Era quase um completo silêncio. O filme passou de ser deliciosamente assustador até a metade quando se tornou terrivelmente amedrontador. Havia uma menina, devia ter uns nove anos, que estava sentada rígida no banco e chorava...", apontou um crítico na época do lançamento. Os críticos em geral detestavam os efeitos muito violentos para a época. A conceituada revista Variety chamou a produção de uma "orgia de sadismo" e questionou a "integridade e responsabilidade social de seus realizadores"; o jornal The New York Times usou o termo "lixo" para descrever o filme; grupos cristãos fundamentalistas acusaram os cineastas como satanistas e o tratamento das personagens femininas atraiu a fúria de uma pequena - massignificante - turba de feministas. Claro que houve quem visse que uma revolução se avizinhava no filme de Romero - e não eram poucos - assim como havia as pessoas que encontraram nas personagens e situações mostradas uma importância ainda maior em sua crítica social, que ia desde o conflito no Vietnã até a figura do líder do grupo Duane Jones, um negro. O filme, de maneira geral, refletia a época tensa, nas palavras de Romero: "Era 1968. Todos tinham uma mensagem para passar. A ira e a atitude estão lá porque eram os anos 60”. Coincidências ou não, muito se falou e muito se polemizou. Isso fez um bem tremendo para o filme que derrubou qualquer barreira que limitasse o seu sucesso. Apesar de não muito bem no início, com o boca a boca o filme se popularizou e rendeu algo entre 12 e 15 milhões apenas nos Estados Unidos, foi traduzido em mais de 25 línguas e lançado na Europa, Canadá e Austrália, rendendo mais de 30 milhões no mundo inteiro. Tudo andava muito bem, porém eles nem imaginavam que ao mesmo tempo algo péssimo acontecia: nos Estados Unidos, a lei de direitos autorais do ano de 1968 (que durou até 1989) dizia que o título da produção deveria conter uma informação de copyright (confiram esta informação no rodapé dos títulos nos filmes desta época ou nos créditos iniciais), a Image Ten tinha esta informação enquanto o título era Night of the Flesh Eaters, entretanto quando a Walter Reade Organization solicitou a troca do nome para Night of the Living Dead, a informação foi retirada (ou esquecida). Esta simples atitude tornou o filme de domínio público impediu toda e qualquer angariação financeira por conta de futuros relançamentos, distribuição doméstica e refilmagens. Segundo George Romero, a Walter Reade "nos cortou fora". Mais informações sobre isso no capítulo extra ao final .
- » Elenco ::.
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Duane Jones
Ben
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Judith O'Dea
Barbra
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Karl Hardman
Harry Cooper
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Marilyn Eastman
Helen Cooper
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Keith Wayne
Tom
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Judith Ridley
Judy
A NOITE DOS MORTOS-VIVOS (Night of the Living Dead , Estados Unidos, 1968). Direção: George A. Romero Roteiro: John A. Russo e George A. Romero Produção: Russell W. Streiner e Karl Hardman Fotografia: George A. Romero Música: Scott Vladimir Licina Efeitos Especiais: Tony Pantanello; Regis Survinski Maquiagem: Bruce Capristo; Vincent J. Guastini; Karl Hardman Edição: George A. Romero; John A. Russo Elenco: Duane Jones (Ben); Judith O'Dea (Barbra); Karl Hardman (Harry Cooper); Marilyn Eastman (Helen Cooper); Keith Wayne (Tom); Judith Ridley (Judy); Kyra Schon (Karen Cooper); Charles Craig (Apresentador do Jornal); S. William Hinzman (Zumbi do Cemitério); George Kosana (Xerife McClelland); Frank Doak (Cientista); Russell Streiner (Johnny); Vincent D. Survinski (Vince)
- NOTA: 10,0
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