quarta-feira, 31 de março de 2010

THE BEYOND (1981)



"Não tente entender e arrepie-se com um dos melhores filmes de Lucio Fulci!"

Lançado no Brasil primeiro como "Terror nas Trevas" e depois relançado com o péssimo título "A Casa do Além" (sendo que a história se passa não numa casa, mas em um hotel), THE BEYOND é o filme mais conhecido do mestre do horror e do "gore" europeu Lucio Fulci. Na ordem de preferência dos fãs do diretor, esta obra-prima do cinema dos anos 80, lançada em 1981, vem logo depois do clássico ZOMBIE (1979), realizado por Fulci para aproveitar o sucesso de "Dawn of the Dead", do americano George A. Romero.

O Filme merece o status de clássico pela suas antológicas cenas de extrema violência, que não poupam o espectador de closes em feridas abertas, cortes e mutilações diversas, uma particularidade do cinema sangrento de Fulci desde a época em que ele fazia "inocentes" filmes de bangue-bangue estrelados por Franco Nero, nos anos 70. O filme custou uma mixaria (400 mil dólares, que não pagam nem os 15 minutos iniciais de PREMONIÇÃO 2, por exemplo) e foi filmado em apenas cinco semanas!

O roteiro maluco, que mistura um hotel mal-assombrado com ataques de animais (no caso, aranhas que comem o rosto de um dos personagens e um cão que arranca a jugular de uma moça), profecias, livros satânicos, assassinatos, acidentes, demônios e mortos-vivos, alçou THE BEYOND ao status de "cult movie", sendo adorado por muitos cineastas respeitados, inclusive Quentin Tarantino, o diretor de "Jackie Brown" e "Pulp Fiction", que em entrevista à revista americana "Fangoria" considerou este um dos filmes mais assustadores de todos os tempos.

Nesse filme pouca coisa no roteiro faz sentido. E, dentro desta lógica, TUDO pode acontecer! Quando você pensa que tudo está calmo, fantasmas, animais demoníacos e até mortos-vivos podem aparecer de repente para atacar os personagens, deixando o espectador ansioso para prever o que acontecerá depois!

THE BEYOND começa com uma impressionante introdução filmada em tom de sépia (para dar uma idéia de filme antigo), na Lousiana de 1927. No rústico Hotel Seven Doors (Sete Portas), uma garota encontra um antigo livro com as profecias de Eibon, escritas há 4 mil anos. Estas falam sobre os sete portões do Inferno, que, quando abertos, liberarão o Mal sobre a face da Terra. Uma curiosidade interessante é que no filme anterior de Fulci, o ótimo PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS (Paura Nella Città dei Morti Viventi), feito no ano anterior (1980), também existe um livro demoníaco, com nome parecido (Enoch). Mas as histórias dos dois filmes, aparentemente, não têm nenhuma relação.


Ao mesmo tempo em que a mocinha lê o livro, o pintor Spike trabalha num mórbido quadro retratando o Mar dos Mortos, presente em outra das profecias de Eibon, enquanto aldeões com cara de poucos amigos aproximam-se do hotel em um barquinho. Logo, o pintor, que aparentemente também é dono do hotel, é aprisionado e torturado pelos habitantes da cidade, ao mesmo tempo em que blasfema dizendo que o lugar foi construído sobre uma das sete portas do Inferno (daí o nome do lugar, Seven Doors) e que se o matarem não haverá como conter o Mal que ali vive. Claro que não adianta avisar: furiosos sabe-se lá por quê, os aldeões pregam Spike na parede (close angustiante nos pregos penetrando nas mãos do coitado) e em seguida corroem seu rosto com cal!Um salto no tempo e vemos o Hotel Seven Doors na Lousiana de 1981 (a atualidade, nos tempos de lançamento do filme). Lisa, interpretada por Katherine MacColl (que trabalhou com Fulci no anterior PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS e voltaria a atuar com o mestre posteriormente, em A CASA DO CEMITÉRIO), discute sobre a restauração do local com o amigo Martin. A conversa encerra de forma trágica, com um dos trabalhadores caindo de um andaime e rachando a cabeça - mais um close sangrento, e olhe que não chegamos nem nos dez minutos filme  ainda!





É quando somos apresentados aos outros personagens-vítimas: há Arthur e Martha, esquisitos criados do hotel, e o dr. John McCabe, o médico da cidade, interpretado pelo simpático David Warbeck - com sua tradicional barba por fazer, apesar de seu personagem ser um médico. Uma curiosidade: apesar de Warbeck (cujo nome de batismo é David Mitchell) Joe, o encanador, vai detonar todo o horror do filme ao checar um vazamento de água no porão. Ao fazer desabar uma parede centenária, ele liberta o cadáver de Spike, transformado em morto-vivo, que rapidamente ataca o encanador e arranca seus olhos, em mais uma excelente cena de extrema violência preparada pelo mestre Gianetto de Rossi.


As autoridades não fazem nada, apenas levam ambos para o hospital e nem ao menos investigam ou fazem alguma coisa para descobrir o que aconteceu no porão!!! Como se fosse normal encontrar um cadáver putrefato de 80 anos de idade!!! Enquanto isso, Lisa conhece Emily, uma garota cega, que parece saber bastante sobre o hotel e sobre o tal livro de Eibon - tanto que tenta convencê-la a deixar o local e não voltar.



Está armado o cenário para mais um típico filme de Lucio Fulci. Efeitos e mortes exageradas (tem uma cena em que um cachorro rasga o pescoço de uma mulher e o sangue jorra intensamente), cenas repletas daquele "clima" italiano, com supercloses nos olhos dos atores e vítimas, música sempre a todo volume (o tema, assustador, é de Fabio Frizzi) e muita coisa louca acontecendo ao mesmo tempo. Lá pelas tantas o filme vira um verdadeiro "samba do crioulo doido", perde toda a sua lógica e fica simplesmente impossível tentar entender a história, então vai-se levando no piloto automático e apreciando as cenas de horror e morte.




Até o final a história se transformará definitivamente num pesadelo, pois tudo acontece sem que seus personagens (ou o espectador) entendam os motivos. Sabe quando você está sonhando uma coisa e de repente o "roteiro" do sonho muda radicalmente? Pois a sensação de ver THE BEYOND é a mesma! O mal que parecia condicionado ao tal hotel, de uma hora para a outra, se espalha, fazendo com que no final todos os habitantes da cidade viram zumbis. Misteriosamente, Lisa e o dr. McCabe são os únicos sobreviventes, tendo que abrir caminho à bala na tentativa de fuga. É o momento "Dawn of the Dead" do filme, quando Fulci parece homenagear seu próprio ZOMBIE (1979), ao apresentar zumbis cambaleantes agarrando os heróis e tomando sangrentos balaços bem no meio da testa.
















Resumindo: com todos seus erros e acertos, THE BEYOND é um filme obrigatório para quem pretende conhecer este tipo peculiar de cinema (o italiano), e especialmente para os fãs de violência explícita e mutilações. Eu pessoalmente o considero um dos melhores filmes feitos na década de 80, e uma das obras mais consistentes do diretor Lucio Fulci, cujos filmes costumam se destacar mais pelo sangue propriamente dito do que pelo conjunto da obra. Esta é uma rara exceção, pois mesmo se o filme fosse censurado nas cenas mais violentas (como aconteceu nos EUA), ainda assim manteria o interesse do espectador até o final. Uma filme com uma história meio confusa mas esta ai mais um clássico do Horror Italiano ao lado de Zombie (1979), Pavor Na Cidade Dos Zumbis (1980) e Casa Do Cemitério (1981).







THE BEYOND (The Beyond, Itália, 1981)

Duração: 87 minutos.
Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Dardano Sacchetti e Lucio Fulci
Produção: Fabrizio De Angelis
Fotografia:Sergio Salvati
Edição: Vincenzo Tomassi
Música:Fabio Frizzi
Desenho de Produção: Massimo Lentini
Efeitos Especiais: Germano Natali
Direção de Arte: Alfredo D'Angelo; Franco Rinaldi e Rodolfo Ruzza
Elenco: Catriona MacColl (Liza Merril); David Warbeck (Dr. John McCabe); Cinzia Monreale (Emily); Antoine Saint-John (Schweick); Veronica Lazar (Martha); Anthony Flees (Larry); Giovanni De Nava (Joe); Al Cliver (Dr. Harris); Michele Mirabella (Martin Avery); Gianpaolo Saccarola (Arthur); Maria Pia Marsala (Jill); Laura De Marchi (Mary-Ann)

Gênero: Terror
Classificação Indicativa: 18 anos


NOTA: 9,0

terça-feira, 30 de março de 2010

A CASA DO CEMITÉRIO (1981)




Realizado em 1981, A CASA DO CEMITÉRIO é considerado por muitos como o último grande filme de horror de Lucio Fulci. Historicamente, ele fecha um ciclo de excelentes filmes de horror feitos pelo cineasta para o produtor italiano Fabrizio De Angelis e sua Fulvia Films. Esta colaboração iniciou em ZOMBIE, de 1979. Até então, Fulci era mais conhecido como diretor de faroestes e suspenses "giallo", tendo pouca relação com o sobrenatural e a carnificina dos filmes de horror.
A partir de ZOMBIE, Fulci começou a dirigir dois filmes de horror por ano, normalmente com produção assinada por De Angelis. Iniciou com o ótimo PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS (Paura Nella Città dei Morti Viventi), de 1980, disponível em VHS no Brasil. Em 1981 fez dois: o clássico THE BEYOND e a adaptação de Edgar Allan Poe BLACK CAT (uma tentativa de abandonar o cinema "gore" e tentar um horror discreto, mais próximo do inglês; este filme é inédito no Brasil e não foi produzido por De Angelis). Enfim, em 1982, lançou o "giallo" NEW YORK RIPPER (inédito no Brasil) e este A CASA DO CEMITÉRIO, que de certa forma encerra uma "quadrilogia" sobre mortos-vivos e cemitérios, iniciada em ZOMBIE, passando por PAVOR... e THE BEYOND.
Os filmes de Fulci feitos a partir de A CASA DO CEMITÉRIO ficariam bem longe do material apresentado até então (MANHATTAN BABY, ENIGMA DE UM PESADELO, MURDER ROCK e outras são produções bem fraquinhas. Por isso, podemos analisar A CASA DO CEMITÉRIO como uma espécie de despedida de Lucio Fulci dos seus grandes filmes de horror, partindo depois para produções mais convencionais e sem graça.




O filme começa com uma cena excelente: uma misteriosa menina aparece na janela da mesma casa, e subitamente a imagem congela e passa de colorido a preto-e-branco. A câmera se afasta e descobrimos que aquele é o detalhe de um velho retrato do casarão, pendurado na parede do apartamento de um historiador nova-iorquino, o dr. Norman Boyle (Paolo Malco, em excelente atuação).



Bob (Giovanni Frezza, que trabalhou com Fulci também em MANHATTAN BABY), filho pequeno de Boyle, está olhando o retrato enquanto sua mãe Lucy (Katherine MacColl, a mesma de PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS e THE BEYOND) empacota coisas para a mudança. É quando Bob pergunta para a mãe: "Por que aquela garotinha fica dizendo para eu não ir para lá?". Lucy vai examinar o retrato e a mesma janela onde a menina estava agora tem uma cortina cobrindo a imagem. Ela acredita que o garoto está brincando. Mas é só saírem da sala para a câmera voltar para um close no retrato, e novamente a menina aparece na janela, com a mão encostada no vidro, uma advertência para que Bob fique longe daquela casa!
Corta para o dr. Boyle conversando com o professor Müller (Lucio Fulci, em participação especial não-creditada). Ficamos sabendo que ambos integram a Sociedade Histórica de Nova York, e que um amigo e colega de Boyle, o dr. Eric Petersons, que fazia uma pesquisa histórica em New England (Boston), recentemente matou a amante, Sheila, e depois enforcou-se na biblioteca onde fazia suas pesquisas. Müller pede que Boyle viaje para Boston e fique por lá seis meses, para encerrar a pesquisa de Petersons, recebendo uma generosa soma em dinheiro como incentivo.
Norman se muda com a família para New England, mas como Lucy demorou muito tempo para decidir-se a acompanhar o marido, a casa originalmente alugada por ele foi ocupada por outro inquilino. Assim, a corretora de imóveis Laura Gittleson (Dagmar Lassander) oferece ao casal, por uma bagatela, uma velha casa histórica em estilo vitoriano. Um pirulito para quem não adivinhar que é a mesma casa dos assassinatos no início do filme. Quando ela comenta sobre o imóvel, seu assistente, Harold, murmura, misteriosamente: "A casa de Freudstein!". Mas, sem dar maiores esclarecimentos, Laura leva o casal até o casarão e entrega as chaves do lugar. Lucy fica fascinada com o fato de a casa ser idêntica à do retrato pendurado no apartamento do casal, mas Norman a tranqüiliza dizendo que existem muitas casas parecidas naquela região. Mas é, sim, a mesma casa. Detalhe: é o mesmo casarão, também, onde morava o suicida dr. Petersons, e o mesmo cenário onde ele matou a amante! Paralelamente, Bob encontra a garotinha da foto, aquela que o aconselhava a não ir até a casa. Seu nome é Mae, e ela é um daqueles tipos fantasmagóricos de filmes de horror: aparece e desaparece, fala por enigmas, só é vista pelo garotinho, mas não pelos adultos, e parece ser um prenúncio do horror. Mae adverte Bob: "Eu avisei que era para você não vir para cá!". :"Eu falei para meus pais, mas eles não me escutaram. Você sabe como são os adultos!", responde o garoto. Na mesma cena, Mae olha para o manequim de uma vitrine e, subitamente, a cabeça do boneco cai, jorrando sangue! Loucura? Alucinação? Não... Premonição!


Enquanto o casal Boyle se estabelece no casarão, aparece a misteriosa Ann (Ania Pieroni), uma baby-sitter, aparentemente recomendada pela imobiliária. "Misteriosa", porque Ann é idêntica à tal manequim decapitada vista por Mae na loja momentos antes. Mais uma vez demonstrando seu fetiche por olhos, Fulci escolheu a atriz Ania pelo fato de ela ter belos olhos azuis, que o diretor faz questão de mostrar em closes o tempo todo. O casarão é sinistro. Barulhos estranhos amedrontam os novos moradores, o lugar é escuro e tétrico, há teias de aranha e a porta do porão foi barricada para que ninguém pudesse entrar. Remexendo nos arquivos do falecido Petersons, Norman encontra uma pasta antiga com o nome que tinha escutado anteriormente na imobiliária, "Freudstein", mas a pasta está vazia. Ele então vai à biblioteca da cidadezinha, onde o colega se matou, e descobre que a pesquisa histórica que Petersons vinha fazendo sobre New England mudou de foco nos últimos tempos: o novo alvo da investigação era o dr. Jacob Alan Freudstein, um cirurgião que viveu no século 19 e aparentemente fez experiências ilegais com seres humanos, sendo banido e proibido de exercer a profissão. A casa onde Freudstein vivia é a mesma onde a família Boyle atualmente está morando, e a mesma onde Petersons matou a amante. Em um velho documento, Norman descobre mais sobre a trama: "7 de junho de 1875 - O dr. Freudstein é suspenso pela Associação dos Médicos e proibido de praticar medicina para o resto da vida".

No casarão, Lucy e Bob fazem suas descobertas também. O garoto, brincando com Mae (menina que, volto a frisar, só ele vê), vai ao cemitério e descobre um túmulo que diz "Mary Freudstein". Mas Mae faz uma colocação misteriosa: "Ela não está enterrada aí! É tudo mentira, eu sei!". Já Lucy, limpando a casa, encontra uma sepultura debaixo de um tapete, no piso da construção, com os dizeres: "Jacob Alan Freudstein".Até então, A CASA DO CEMITÉRIO se desenvolve com ênfase no suspense, no mistério, na investigação. Quando a porta bloqueada do porão é aberta por Norman, que resolve investigar o que tem lá embaixo, na volta da biblioteca, a sangreira e o "gore" têm início. Afinal, ainda estamos vendo um filme de Lucio Fulci. O historiador desce ao escuro porão para investigar o que existe lá de tão terrível, mas é atacado por um morcego, que crava suas presas na mão de Norman. Ele não consegue arrancar o bicho de jeito nenhum, então pega uma faca e o apunhala repetidas vezes, em uma cena bem sangrenta.

Norman decide sair da casa com a família e chama a corretora Laura para lhes mostrar um outro imóvel. Infelizmente, a mulher vai à casa no momento em que a família não está e, sozinha, vira alvo fácil de um misterioso assassino, que se esgueira pelas sombras e a apunhala com um espeto. A cena é longa e violentíssima, culminando com uma espetada no pescoço e o close do buraco jorrando sangue, muito bem feito. Ainda no aguardo de que Laura lhes mostre uma nova casa, sem saber que ela foi morta (o corpo desapareceu), a família Boyle permanece por mais um dia na casa. Mas Norman, ainda investigando a papelada do colega morto, encontra uma fita gravada por Petersons, com voz alucinada de quem perdeu o juízo, dizendo: "Fazem dias e dias que parei de trabalhar nisso... Não como, não durmo... Não posso parar agora! Perdi toda a perspectiva crítica! Os sinais! O aviso da casa... A casa de Freudstein! Ela me chama como um imã do inferno! A casa de Freudstein! O cheiro de sangue... Quantos ainda virão?".



A próxima vítima do furioso psicopata que vive na casa de Freudstein é a babá Ann, que desce ao porão, alheia ao perigo, e a porta bate, se fechando. Uma misteriosa figura sai das sombras com uma faca brilhante. Ann bate violentamente na porta, tentando fazer com que Bob vá abri-la, mas é inútil: o assassino corta o pescoço da garota múltiplas vezes, em uma das mais realistas cenas de garganta sendo cortada da história do cinema! Sabe aqueles filmes tipo SEXTA-FEIRA 13 onde o assassino passa a faca no pescoço da vítima e escorre um filetinho de sangue, Pois é: aqui a maquiagem é tão bem feita que Fulci dá um close, mostrando como a faca está cortando a "carne", afundando no "pescoço" da vítima, não uma, mas três vezes, deixando a garganta da moça literalmente aberta, até decapitá-la! este é um dos momentos mais violentos de toda a obra de Lucio Fulci, e certamente de todos filmes de Terror já lançados.






A partir de então, o mistério da casa de Freudstein passa a ameaçar a família Boyle. Norman continua suas investigações e descobre que a solução para os misteriosos fenômenos pode estar na figura do próprio dr. Jacob Freudstein, cujo túmulo ele não consegue localizar. Será que o assassino que ataca na casa é o próprio Freudstein, um cirurgião do século 19, mantido vivo por algum processo misterioso ou força satânica? Ou será, ainda, que Norman enlouqueceu como o seu colega e está matando a todos, influenciado por alguma força diabólica presente naquela casa? A solução do mistério só virá no sangrento final, que envolve a família toda no escuro e tétrico porão da "casa do cemitério", onde Fulci nos brinda com mais uma rodada de violência explícita, nojeiras variadas e muito suspense! A CASA DO CEMITÉRIO é um filme simplesmente perfeito, desde a criação do clima de mistério e horror até os efeitos "gore". Considerando o restante da obra do diretor, nesta a contagem de cadáveres é relativamente baixa, pois o filme prioriza o suspense e a investigação. Mas vale a pena esperar: sempre que acontece alguma morte, ela é violentíssima, gráfica, sangrenta e hedionda, como poucas vezes o cinema de horror já mostrou (curiosamente, quase todas envolvem o pescoço das vítimas, que é cortado, furado, rasgado, mutilado...). Talvez o filme funcione tão bem porque Fulci está cercado da sua equipe preferida em grande forma (afinal, eles vinham trabalhando com o diretor desde 1979...). Até mesmo no elenco, considerando que Katherine MacColl está em seu terceiro filme com direção de Fulci. A fotografia é de Sergio Salvati, colaborador habitual do diretor, e a edição ficou a cargo de Vincenzo Tomassi, que abre mão do estilo frenético dos filmes anteriores. A maquiagem, desnecessário dizer, é do "mestre" Gianetto de Rossi, mais inspirado do que nunca.



A história também tem um ar "Edgar Allan Poe", com casarões assombrados, cemitérios e uma criatura que vive no escuro porão da casa (já repararam em quantos filmes, de EVIL DEAD à série AMITYVILLE, a ameaça sobrenatural vem do porão????). Fulci não nega esta inspiração literária, tanto que encerra o filme com uma frase do escritor Henry James, que diz: "Ninguém nunca vai saber se as crianças são monstros ou se os monstros é que são crianças".


A CASA DO CEMITÉRIO é o filme ideal para quem quer ter uma primeira impressão sobre o tão falado cinema de horror europeu, ou mesmo sobre a filmografia de Lucio Fulci, pois é um filme mais convencional, com uma história boa, nada tão alucinado quanto outros filmes do período e do mesmo diretor. É quase um filme sobre casas mal-assombradas, semelhante àqueles feitos na Inglaterra e nos Estados Unidos - apenas com o sangue e a violência quintuplicados! E é ver cenas como a chocante revelação final no porão da casa de Freudstein para perceber como os filmes de hoje, definitivamente, têm muito que aprender com estes pequenos clássicos feitos na Itália no início dos anos 80...

A CASA DO CEMITÉRIO
(House by the Cemetery/Quella Villa Accanto al Cimitero, Itália, 1981). 87 minutos
Gêneros: Suspense, Terror
Classificação Indicativa: 18 anos
Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Lucio Fulci; Elisa Briganti
Produção: Fabrizio De Angelis
Fotografia: Sergio Salvati
Música: Alexander Blonksteiner; Walter Rizzati
Edição: Vincenzo Tomassi
Efeitos Especiais: Giannetto De Rossi
Desenho de Produção: Massimo Lentini
Elenco: Catriona MacColl (Lucy Boyle); Paolo Malco (Dr. Norman Boyle); Ania Pieroni (Ann, a babá); Giovanni Frezza (Bob Boyle); Silvia Collatina (Mae Freudstein); Dagmar Lassander (Laura Gittleson); Giovanni De Nava (Dr. Jacob A. Freudstein); Daniela Doria (primeira vítima); Gianpaolo Saccarola (Daniel Douglas, o bibliotecário); Carlo De Mejo (Mr. Wheatley)


  • NOTA: 9,0

sexta-feira, 26 de março de 2010

PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS (1980)



"Esta cidade nunca mais foi a mesma depois que o Padre Thomas se enforcou."

Repleto do melhor e do pior do cinema italiano dos anos 80 (uma das melhores safras do gênero), PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS, de Lucio Fulci, é o maior exemplo de como um filme pode ser valorizado pelo "gore", ou seja, pela quantidade de sangue e tripas que exibe. .Feito logo depois do clássico ultraviolento ZOMBIE (1979), sucesso que encabeça a lista dos melhores de Fulci, "Pavor Na Cidade Dos Zumbis" foi lançado em 1980 e mistura o gênero mortos-vivos com sessões espíritas, premonições, mortes violentas, fenônemos sobrenaturais e um livro demoníaco. Nos Estados Unidos, o título amalucado foi simplificado para "Gates of Hell" (Os Portões do Inferno), mas algumas cópias circulam com o título de "City of the Living Dead" (Cidade dos Mortos-vivos).






Muito do estilo narrativo de Fulci pode ser encontrado neste que é um dos seus primeiros filmes de horror: há os tradicionais closes nos olhos das vítimas, há as mortes extremamente violentas (algumas totalmente gratuitas e sem sentido), há a música "demoníaca" de Fabio Frizzi, há os supercloses no rosto de pessoas com expressão de pavor e em feridas abertas ou vermes rastejando.









PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS começa muito interessante, mostrando uma cidadezinha chamada Dunwich, onde o sinistro padre William Thomas (Fabrizio Jovine) passeia por um cemitério até resolver se suicidar no galho de uma árvore. Depois que ele comete suicídio, a câmera lentamente passeia por algumas lápides (ao som da música arrepiante de Frizzi) até parar em frente a um túmulo, onde um corpo putrefato lentamente sai debaixo da terra - uma citação direta a uma das cenas mais famosas de ZOMBIE (1979).

É quando descobrimos que este pesadelo faz parte das visões de Mary (Katherine MacColl, outra colaboradora habitual de Fulci, que apareceria posteriormente em THE BEYOND, de 1981,
e A CASA DO CEMITÉRIO, de 1982). Ela é uma vidente que está participando de sessão espírita no centro de Nova York. Aterrorizada com o que vê (e Fulci faz questão de mostrar isso com supercloses nos olhos arregalados da moça), Mary cai no chão entre espasmos e grita "A cidade dos mortos! A cidade dos mortos!". Surpreendentemente, o diálogo sai em alto e bom italiano!!!! Isso mesmo!!! A cópia lançada no Brasil (pela extinta Dado Group) não foi a americana, que tradicionalmente dublava (pessimamente) os diálogos originais em italiano, e sim a original!







Voltando ao filme, Mary tem um ataque de ansiedade e morre... DE MEDO! Este é um detalhe que mais tarde voltará a ser abordado, embora Fulci desperdice a idéia. A polícia chega e não acredita na história de que a vidente tenha morrido por causa de suas visões, acusando todo o grupo que participou da sessão espírita de ter usado drogas e provocado a morte da moça. É quando a sinistra Madame Teresa (Adriana Asti), que fala arregalando os olhos e virando direto para a câmera, avisa os policiais de que o terror está para começar em uma pequena cidadezinha, e que tudo está escrito em um livro de quatro mil anos atrás chamado Livro de Enoch!



Sabe-se lá o porquê dos roteiristas Fulci e Sacchetti terem incluído um livro demoníaco e antigo na história, já que ele só é citado brevemente nos dez minutos iniciais e depois esquecido sumariamente. Reparem que no posterior THE BEYOND a dupla faz a mesma coisa, mostrando um tal Livro de Eibon que também tem poderes sobrenaturais, e, ao mesmo tempo, pouca ou nenhuma relação com a história. Trata-se de mais um dos mistérios dos roteiros do horror italiano.



Paralelamente às cenas em Nova York, o filme mostra a pequena Dunwich, onde estão começando a acontecer fenômenos sobrenaturais, confirmando a previsão de Madame Teresa. Um doente mental chamado Bob (interpretado por Giovani Lombardo Radice, famoso pela cena onde é castrado em "Cannibal Ferox", de Umberto Lenzi) é considerado o responsável por algumas misteriosas mortes acontecidas no local, já que é filho de uma feiticeira, jovens garotas são encontradas mortas de medo, literalmente, e Bob é acusado de violentá-las. Mas a verdade é que elas foram atacadas pelo zumbi do padre Thomas (aquele que se enforcou no começo da história). Uma das primeiras vítimas morre quando o zumbi esfrega um monte de carne putrefata, vermes e minhocas vivas em sua boca - em cena repelente.



Voltamos a Nova York e Mary está sendo sepultada (sem passar por qualquer exame ou autópsia), enquanto um jornalista curioso, Peter Bell (o canastrão Christopher George, mais conhecido pelo seu trabalho em "O Terror da Serra Elétrica", do espanhol Juan Píquer Simon), investiga a morte misteriosa durante a sessão espírita. Em uma das grandes cenas do filme, Mary acorda no interior do caixão quando está parcialmente sepultada. Ela começa a gritar, bater e arranhar o topo de madeira do caixão, arrancando as unhas e ensangüentando todo o forro. A cena é arrepiante pela sonoplastia dos dedos sendo rasgados contra a madeira.


Por sorte (ou por "coisa que só acontece em filme, Peter estava no cemitério na mesma hora; ele escuta os gritos de Mary, pega uma picareta e quase mata a moça ao enfiar a ferramenta no tampo do caixão, atravessando-o - a ponta da picareta pára a alguns milímetros da testa da garota! É quando Fulci dá um close na tampa do caixão arrebentada e mostra o rosto pálido e apavorado de Mary gritando no interior. Um verdadeiro pesadelo!


Mary conta ao jornalista toda a história da "cidade dos mortos-vivos" mas, curiosamente, Dunwich não aparece em nenhum mapa. Eles começam a investigar, saindo a esmo de carro atrás da tal cidade.

Voltando a Dunwich, os fenômenos sobrenaturais continuam. Uma das cenas mais memoráveis é aquela em que um casal namorando num carro, perto do cemitério, é atacado pelo zumbi do padre. O rapaz é o futuro diretor Michele Soavi (de "O Pássaro Sangrento" e "A Catedral"). O "fantasma" do padre faz com que o carro pare de funcionar e as portas se tranquem. Depois, coloca a namorada de Soavi em transe, faz com que saiam lágrimas de sangue dos seus olhos (uma impressionante cena em close que até agora estou tentando descobrir como eles fizeram, porque não é "efeito de computador") e depois obriga a mocinha a vomitar seus próprios intestinos (é ver para crer!). Mais uma cena aterradora, violenta e muito nojenta concebida pelo mestre da maquiagem Gianetto de Rossi, outro colaborador habitual de Fulci e espécie de Tom Savini italiano. A chacina termina com a mocinha transformada em zumbi e apertando a parte de trás da cabeça de Soavi até seu cérebro ser espremido para fora! A cena ficou tão boa que é repetida mais duas vezes até o fim do filme!!!

No que Peter e Mary chegam a Dunwich, Descobre-se que a cidade foi construída sobre as ruínas de Salem, aquela famosa cidade das feiticeiras (o que é historicamente equivocado, já que Salem existe até hoje, no Estado americano de Massachussetts). Cadáveres desaparecem do necrotério e aparecem em casas de pessoas, mortos viram zumbis que também aparecem e desaparecem, pessoas são mortas sem qualquer motivo, paredes de concreto armado se abrem em rachaduras, uma chuva de vermes invade uma casa, seguida por uma chuva de cacos de vidro (cena citada no posterior THE BEYOND), e por aí vai. Ao mesmo tempo, Peter e Mary ficam algum tempo circulando pela cidade sem motivo e encontram aliados no psiquiatra local, Jerry (Carlo De Mejo) e na pintora Sandra (a gatinha Janet Agren, que participou do filme de canibais "Os Vivos Serão Devorados", de Umberto Lenzi).






Depois que quase todos os personagens do filme são mortos por zumbis que aparecem e desaparecem como fantasmas (e aparentemente não comem carne humana, apenas arrancam pedaços das pessoas), inclusive Sandra, que tem o topo de sua cabeça arrancado por um morto-vivo, Peter, Mary e Jerry resolvem encontrar o túmulo do padre Thomas no cemitério para dar um fim no "chefe dos zumbis". Legal é que o túmulo do padre é uma verdadeira catacumba, escura e repleto de teias de aranha e cadáveres putrefatos que vão voltar à vida e atacar os heróis.

PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS é valorizado pela figura do padre demoníaco, que tem uma cara realmente assustadora (e, num close, lembra o Drácula interpretado por Christopher Lee nos filmes da Hammer). Vale também por dois dos momentos mais violentos do cinema de Fulci, jamais superados pelo diretor: a cena onde a cabeça de Bob é atravessada por uma broca e o momento onde um dos personagens principais tem um pedaço da cabeça arrancado por um zumbi e ratos banqueteiam-se com seu cérebro (argh!).



A cena da broca é particularmente impressionante pelo seu realismo. Parece que o ator está realmente sendo executado. Em sua fixação por explicitar o máximo possível as cenas de morte, Fulci e o maquiador De Rossi fazem a broca entrar por um lado da cabeça e sair pelo outro, arrebentando a pele, sem cortes! Se fosse um filme americano, provavelmente iria cortar assim que a cabeça estivesse bem próxima da broca, mostrando um close de uma parede próxima e o sangue espirrando nela. Então, méritos para o cinema "gore" e ''Trash'' italiano, que tem colhões para mostrar barbaridades como esta!

Para resumir, o filme é uma preciosidade no Brasil porque foi lançado nos tempos do "boom" do videocassete, em 1987, e hoje é uma raridade disputada a tapa por colecionadores. Em 1995, a distribuidora Reserva Especial relançou alguns títulos de Fulci originalmente lançados pela Dado Group, como THE BEYOND (que ganhou o péssimo título de "A Casa do Além") e A CASA DO CEMITÉRIO. Misteriosamente, esqueceu de PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS. Ou faliu antes, quem sabe?
Enfim o filme é mais um dos clássicos do Horror Italiano ao lado de pérolas como ZOMBIE (1979), THE BEYOND (1981) e CASA DO CEMITÉRIO (1981).

PAVOR NA CIDADE DOS ZUMBIS (Paura nella città dei morti viventi , Itália, 1980) - 91 minutos
Gênero: Terror
Classificação Indicativa: 18 anos
Direção: Lucio Fulci
Roteiro: Lucio Fulci; Dardano Sacchetti, inspirado em história de H.P. Lovecraft Produção: Giovanni Masini
Produção Executiva: Robert E. Warner
Música: Fabio Frizzi
Fotografia: Sergio Salvati
Desenhos de Produção: Massimo Antonello Geleng
Efeitos Especiais: Gino De Rossi
Edição: Vincenzo Tomassi
Figurino: Massimo Antonello Geleng
Maquiagem: Franco Rufini; Rosario Prestopino; Luciano Vito Elenco: Christopher George (Peter Bell); Katherine MacColl (Mary Woodhouse); Carlo De Mejo (Gerry); Antonella Interlenghi (Emily Robbins); Giovanni Lombardo Radice (Bob); Daniela Doria (Rosie Kelvin); Fabrizio Jovine (Padre William Thomas); Janet Agren (Sandra); Luca Venantini (John-John Robbins); Michele Soavi (Tommy Fisher); Venantino Venantini (Mr. Ross); Enzo D'Ausilio; Adelaide Aste (Theresa); Luciano Rossi; Robert Sampson; Lucio Fulci (Dr. Joe Thompson)

  • NOTA: 9,0

sexta-feira, 19 de março de 2010

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (1978)

"O filme que verão é baseado na tragédia que assolou um grupo de cinco jovens, especialmente Sally Hardesty e seu irmão inválido Franklin. Foi mais trágico devido ao fato de serem jovens. Mas, se eles tivessem vivido muito, muito longas vidas, jamais teriam esperado ou desejado ter visto a loucura e o macabro que viram naquele dia. Para eles, um passeio de carro num verão à tarde tornou-se um pesadelo. Os acontecimentos daquele dia guiaram o descobrimento de um dos mais bizarros crimes nos anais da história norte americana, ''O Massacre da Serra Elétrica"



Assim começa aquele que é, indiscutivelmente, um dos grandes clássicos do cinema de horror. Você pode conversar com dez pessoas e, mesmo que oito não tenham visto o filme, com certeza já ouviram falar nele. O título é tão citado em outros filmes, dos mais diferentes gêneros, e até em piadas e jogos de videogame, que a obra acabou se transformando em "cultura pop".A horripilante narração no início do filme é feita por John Larroquette, sem fundo musical, com letreiros sobre um fundo preto, falando sobre os tais "crimes da serra elétrica do Texas", que teriam acontecido em 1973, como se fosse um fato real - coisa que os italianos adoravam fazer em seus filmes sobre canibalismo, mas, na verdade, é tudo ficção mesmo. Larroquette anuncia: "O crime é ainda mais chocante porque as vítimas eram jovens".

Depois, o diretor/roteirista Tobe Hooper, praticamente em sua estréia cinematográfica, filma uma assustadora e absolutamente genial abertura com flashes de máquina fotográfica... A escuridão da tela provoca arrepios no espectador, que ouve sons estranhos mas nada vê - algo que, quase 30 anos depois, seria usado também inventivamente em "A Bruxa de Blair". Aos poucos, flashes fotográficos vão iluminando detalhes de um corpo em decomposição... A cena vai crescendo em intensidade até que uma voz radiofônica ao fundo fala sobre vandalismos em um cemitério do interior do Texas. É o fim de qualquer sutileza. Um cadáver aparece sentado sobre uma lápide, como se Hooper estivesse falando diretamente ao espectador: "Apertem os cintos, agora começa a viagem direto ao inferno". O uso dos flashes fotográficos ficou tão bom que foi copiado na abertura das partes 3 e 4, sem bons resultados, obviamente.





O fato do filme inteiro ter sido rodado em 16 milímetros e depois ampliado é uma qualidade, e não um defeito. Fica aquela estética de filme amadorzão, caseiro, que dá um ar de realidade, de documentário ao filme, tornando-o ainda mais assustador. Acredito que, se tivesse sido filmado hoje, com câmera digital, imagem limpinha, enquadramentos OK, iluminação perfeita, perderia este mesmo impacto. E a produção baratíssima (míseros 140 mil dólares) ajuda a dar o tom de pobreza, forçando os produtores a usarem criatividade para driblar a falta de recursos.


A história mostra aquele velho passeio inocente que termina em pesadelo - argumento emprestado por Wes Craven no posterior "Quadrilha de Sádicos", que também tem uma família de canibais.
Cinco jovens vão passear em uma van pelo interior do Texas e cruzam com uma família de doidos canibais, em algo vagamente inspirado no caso do serial killer americano Ed Gein - o malucão que usava roupas e máscaras feitas com pele de cadáveres.
Durante a viagem - que tem como destino a velha casa de campo da família de Sally e Franklin -, a van com os cinco jovens passa por uma estrada deserta, cenário que depois seria utilizado em muitos outros filmes de horror - de "A Morte Pede Carona" a "Olhos Famintos". Ali, eles cometem o erro fatal de dar carona a um estranho, o maluco "Caroneiro" anônimo (Edwin Neal), que revela-se um psicopata. Ex-trabalhador de matadouro, o Caroneiro se diverte mostrando fotos de gado esquartejado para os amigos. Mas logo revela sua verdadeira natureza, cortando a própria mão violentamente e apunhalando Frank no braço, antes de ser expulso do veículo.

O grupo se apavora, pensando se o maluco poderia segui-los mas, mesmo assim, encontra a velha casa da família Hardesty, ponto de parada da viagem. Eles desconhecem que ali perto fica uma outra fazenda, praticamente escondida da civilização, onde moram o Cozinheiro (Jim Siedow), o maligno Caroneiro e o psicótico Leatherface (Gunnar Hansen), um demente assassino que usa máscaras de pele humana e diverte-se matando pessoas como se fossem gado, esquartejando-as em um pequeno matadouro montado no interior da casa, onde as vítimas são penduradas em ganchos de açougue, como meros pedaços de carne, e trucidadas com uma motosserra. A família mantém seu avô (John Dugan) em estado catatônico, meio vivo, meio morto, alimentando-o com sangue humano fresco retirado das vítimas.




Como outros filmes do período ("Halloween", por exemplo), "O Massacre da Serra Elétrica" não se entrega freneticamente a mortes sangrentas e sustos banais. Passam praticamente 50 minutos antes do primeiro dos jovens morrer, em uma cena arrepiante, chocante, que chega a pegar o espectador de surpresa, tal a brutalidade. Cabe ao jovem Kurt a "honra" de ser o primeiro abatido da história: ao checar a casa da família de canibais, ele ouve grunhidos de porco vindo do tal matadouro e, ao entrar no aposento, tropeça num degrau, sendo rápida e violentamente atingido com um golpe certeiro de marreta na cabeça, desferido por Leatherface - imitando o que faziam nos matadouros, com bois e porcos. O jovem cai e se contorce violentamente, com espasmos brutais provocados pelo golpe direto no cérebro, sendo prontamente liquidado com uma nova marretada no crânio.


Detalhando assim, parece um festival de sangue e violência, mas a verdade é que só vemos as duas marretadas na cabeça do jovem mostradas de longe, e nem uma gota do sangue arrancado pelos sucessivos golpes (algo que é mostrado da forma mais explícita e grosseira possível no posterior "O Massacre da Serra Elétrica 2", que ironicamente foi dirigido de forma herética pelo próprio Tobe Hooper!). Quando Leatherface agarra o cadáver do rapaz e puxa para dentro do matadouro, fechando rapidamente o portão de ferro, o espectador finalmente consegue soltar a respiração.

É claro que Hooper poderia ter mostrado a cabeça de Kurt arrebentada com a marretada, ou, depois, a lâmina da serra dilacerando a carne de uma vítima, mas certamente explicitar estas seqüências tiraria todo o impacto que elas têm do jeito que foram mostradas em "O Massacre da Serra Elétrica". Isso porque cabe ao espectador imaginar o tamanho do estrago de uma motosserra ou de uma marreta, imaginar o quão horrendo é morrer deste jeito, e aí sim ficar verdadeiramente assustado - ainda mais ao considerar que Leatherface e seus amigos fazem aquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo, como se as vítimas não fossem pessoas, mas sim pedaços de carne ambulantes. E sabe-se lá há quanto tempo vem fazendo isso, pois a propriedade da família tem vários carros abandonados escondidos sob uma lona...

Mas o auge do grotesco e do sinistro o diretor guarda para o final. É quando Sally, a heroína gritalhona do filme, é amarrada a uma cadeira para participar de um sádico jantar com a insana família de canibais. Cadeiras, lustres e "enfeites" da casa são feitos com pedaços de gente. O cardápio servido, também - provavelmente pedaços dos amigos de Sally estão nos pratos, mas o diretor não se preocupa em focalizar nojeiras ou pedaços de cadáveres, e sim o rosto completamente apavorado de Marilyn Burns, com closes rápidos dos olhos apavorados, arregalados, em um medo muito melhor encenado do que o de Heather Donahue décadas depois em "A Bruxa de Blair". Marilyn parece estar realmente vivendo a cena, apavorada, à beira da insanidade com tanta crueldade e depravação... Um desempenho surpreendente, que nos faz pensar em como a mocinha se preparou para o papel - e também em porque ela não teve mais e melhores chances no cinema! Falar mais sobre o filme é estragar a diversão que existe em saborear cada minuto deste banquete canibal. Não espere grandes doses de sangue ou efeitos de maquiagem à la Freddy Krueger. Mas prepare-se para muitos arrepios e, isso mesmo, MEDO. Uma palavra que há muito desapareceu do vocabulário dos filmes de horror e suspense. "O Massacre da Serra Elétrica" ainda se deu ao luxo de criar um sem-número de clichês que seriam aproveitados e reaproveitados à exaustão no cinema de horror durante os anos seguintes. Para começar, a trama de viajantes às voltas com uma família de canibais, que inspirou "Quadrilha de Sádicos", um obscuro (mas muito interessante) filme B chamado "Canibal" e o recente "Wrong Turn" (lançado no Brasil como "Pânico na Floresta").




Outra cena que virou clichê é aquela onde a mocinha tenta desesperadamente escapar da perseguição do assassino que, armado com a barulhenta motosserra, a persegue, primeiro dentro da casa, depois no meio da floresta escura. Lutando por sua vida, a garota pula da janela do segundo andar de uma casa e depois corre incessantemente pelo meio do bosque, em um momento que seria copiado depois em filmes como "Halloween" e "Sexta-Feira 13". A diferença é que nenhum deles conseguiu reproduzir o mesmo desespero da perseguição de "O Massacre da Serra Elétrica": nada de trilha sonora, seja ela sinistra ou rock pauleira, apenas os gritos da jovem e o ronco da motosserra, como se estivéssemos lá no meio da floresta junto com ela.


Dizer que você nunca viu nada igual não é exagero quando se fala em "O Massacre da Serra Elétrica". E eu concordo com a frase do trailer do filme, que diz: "Tão assustador quanto estar lá". Realmente, poucos filmes conseguem jogar o espectador em um pesadelo tão aterrorizante e violento. E fazer com que ele se sinta verdadeiramente aliviado ao dar "stop" e perceber que, na verdade, ele não está lá, mas seguro em casa. Seguro, sim... Mas até quando?







O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (The Texas Chain Saw Massacre, Estados Unidos, 1974). Vortex, 82 minutos,
Direção: Tobe Hooper
Roteiro: Kin Henkel e Tobe Hooper
Produção: Kim Henkel, Tobe Hooper, Jay Parsley, Lou Peraino e Richard Saenz
Música: Wayne Bell e Tobe Hooper
Fotografia: Daniel Pearl
Edição: Larry Carroll e Sallye Richardson
Direção de Arte: Robert A. Burns
Elenco: Marilyn Burns (Sally Hardesty), Allen Danziger (Jerry), Paul A. Partain (Franklin Hardesty), William Vail (Kirk), Teri McMinn (Pam), Edwin Neal (Hitchhicker), Jim Siedow (Old Man), Gunnar Hansen (Leatherface), John Duggan (Grandfather), Robert Courtin, William Creamer, John Henry Faulk, Jerry Green, Ed Guinn, Joe Bill Hogan, Perry Lorenz, John Larroquette (narrador da introdução).
Gêneros: Suspense, Terror
Classificação Indicativa: 16 anos